domingo, 25 de março de 2018

O retiro do Eremita Interior.

Hoje vou dar-vos uma técnica interessante, muito prática em momentos de stress, horas de transporte público sem nada que ler ou ouvir e visitas à repartição das Finanças mais próxima: o retiro do Eremita Interior, aquele gajo sacana que aparece de vez em quando a pedir atenção e miminho.

Ora, na impossibilidade física de uma pessoa se recolher da sociedade e do convívio mais achegado com, vá, PESSOAS!, acabei por ter esta ideia de génio (cof cof!) que, afinal, tenho vindo a colocar em prática há já tanto tempo: criar o meu cantinho de Eremita, mas imaginário, e recolher-me aí sempre que me apetecer, ou em caso de necessidade, nomeadamente para protecção das outras pessoas dos meus humores figadais ocasionais, que sempre são uma chatice...
Isto acaba por ser muito na onda da Anne Shirley.
Afinal, nosso senhor, se não me deu esta imaginação toda para escrever livros, é para ter alguma utilidade prática...
... Isso, e a habilidade para cogitar sobre parvoíces várias no chuveiro ou, pior, para falar comigo mesma quando estou a conduzir, porque o leitor de cassetes foi com os porcos e a rádio só passa régétón e publicidade, desculpem-me os apreciadores, mas eu desligo o bicho e tenho conversas interessantes comigo própria.

Não sei se é defeito, feitio, ou característica do karma astrológico que nos calha em forma de signo e que brindou esta vossa amiga com o peso do Carneiro, o que é certo é que, em termos práticos, há dias em que não posso ver pessoas à frente.
Não me levem a mal!
Na maior parte das vezes, sou um docinho kinder de pessoa, mas não é coisa para durar sempre e, por vezes, sob influência da Lua Cheia, ou por alguma conjugação planetária mais escabrosa, não posso nem ouvir um espirro ao meu lado, que me dá uma veneta que, nessa altura odeio espirros, não tenho pachorra para as pessoas, e quem espirra aqui à minha beira, está aqui, está a voar pela janelinha que ali está, embrulhadinho num paninho, e a cheirar a águinha de rosinhas!
Não é nada contra as pessoas, não é nada contra vocês em particular, mas há aqueles dias em que tudo me faz tinir os nervos, coisas que num dia normal até acho graça, mesmo quando me andam constantemente a mudar as coisas todas de sítio (lá está, Carneiros detestam que lhes tirem as coisas dos sítios).
Há dias em que não me apetece ver gente, e em que me apetece estar no meio das árvores, a conectar com a Natureza, a destilar clorofila.
Por isso, mês amores, o melhor é retirar-me.
Ponderei a ideia de arranjar uma caravana imaginária e ir variando o cenário, também, e ainda não a descartei, mas acho que gosto mais da ideia de um lugar só, rodeado de árvores, a ouvir os pássaros, o vento nas folhas das árvores e o riacho não muito longe.

Assim, junto o útil ao agradável, mas numa forma que é praticável, já que não tenho de me deslocar fisicamente ao local, basta concentrar-me, fechar os olhos, ou nem isso, e quando estiver com um sorriso parvo na cara, já sabem, estou no meu retiro do Eremita imaginário!
Num modo geral, a ideia é criar o lugar na nossa mente, provavelmente um que já existe, ou uma mistura de vários, mas que agora passa a existir num plano alternativo, num cantinho especial no nosso cérebro.
O meu é no meio da floresta, numa clareira aberta ao sol, não muito longe de um lago com uma pequena cascata. As árvores são, maioritariamente, carvalhos, mas há um pouco de tudo: castanheiros, sobreiros, eucaliptos, oliveiras, salgueiros, choupos, pinheiros, azevinho e avelaneiras. 
(Sou só eu que começo a trautear cantigas de amigo quando vejo a palavra "avelaneira"?)
Perto da casa, há um pequeno pomar e uma horta, e há lugar para coelhos, galinhas, patos e alguns gatos.
A casa é feita em pedra, num granito amarelo, é pequena, acolhedora, aconchegada, não dá muito trabalho a limpar (pormenor muito importante, porque há mais coisas para fazer que limpar o pó dos móveis e bibelots!), tem espaço para os meus livros, e uma cozinha onde posso fazer coisas boas para os filhotes e com eles ali ao pé a curtir.
O quintal é pequeno e tem flores, muitas, alfazemas, alecrins, rosas de vários tipos, narcisos, túlipas e mais e mais e mais, muitas cores e alturas, um lugar de sonho para as abelhas e as borboletas. 
Tem uma árvore para dar sombra, onde ponho uma mesa e cadeiras para se estar ou trabalhar, ou onde se pode estender uma manta. Na minha imaginação, é um pinheiro manso com uns 100 anos de idade, alto e frondoso, com o vento a brincar com as agulhas lá no alto, e às vezes a atirar pinhas lá de cima...
De resto, a mata é o nosso quintal, onde vamos passear quando queremos.
O tempo não é muito quente, está habitualmente ameno, um sol simpático, não muito quente mas, como é a minha imaginação, posso mudar o tempo quando quiser e, sim, quero, às vezes, uma bela chuvada, uma trovoada, um nevão, um dia soalheiro em que a neve brilha e é fofinha, um dia de Primavera ventoso em que tudo rodopia, um dia de sol intenso em que só se consegue estar bem à sombra ou dentro do lago.

Isto é, mais ou menos, o ambiente. Onde? Sei lá eu? Mas existe!
Sabem aquelas fotografias que aparecem na net, das cabanas de madeira perdidas no meio das florestas, no Canada, na Noruega ou nos Estados Unidos?
Pronto, visualizem um cenário desses, mais ou menos, e já lá estamos.
Entretanto, vou coleccionando nomes de lugares que quero conhecer, como que a juntar as peças para o meu mosaico imaginário!
Já lá estão? Pronto, não é difícil de lá chegar, e é um escape para quando estão na fila dos CTT.

Agora, cada um de vocês escolhe o vosso próprio retiro do Eremita imaginário: uma praia em Bora Bora, com um vento morno nas costas e os pés dentro de água transparente; um campo de trigo na Toscana, com ciprestes ao longe e uma ou outra quinta no horizonte; um cruzeiro às ilhas Gregas, o barco a navegar lentamente em águas suaves; uma floresta de sequóias, as águias a planar e a guinchar lá em cima bem no alto, a mão no tronco rugoso de uma árvore com mais de mil anos.

Pois, em termos simples (ahahah!), é este o caminho.
Com um bocadinho de prática e de entusiasmo, aquilo que no início nos leva mais alguns momentos de concentração, acaba por ser, depois, feito com um clique dos dedos, e puf!, estamos no nosso retiro do Eremita Interior!

A sério, acabei de vos poupar (e a mim!) hordas de dinheiro em estúdios de ioga duvidosos, aulas de meditação, livros de auto-ajuda do Gustavo Santos, médicos especializados e medicação apropriada!



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